ATA DA DÉCIMA TERCEIRA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 30.06.1994.
Aos trinta dias do mês de junho do ano de mil novecentos e noventa e quatro reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Terceira Sessão Solene da Segunda Sessão Legislativa Ordinária da Décima Primeira Legislatura. Às dezenove horas e quinze minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre a Senhorita Ivanete Tonin, conforme Projeto de Lei do Legislativo nº 155/93 (Processo nº 3005/93), de autoria da Vereadora Bonumá. Compuseram a MESA: Vereador Clóvis Ilgenfritz, 2º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos, Doutor Hélio Corbellini, representando o Senhor Prefeito Municipal, Doutor Jânio Guedes Silveira, Superintendente Regional do INCRA, Doutor Djalma Aparecido da Silva, representando a Procuradoria-Geral de Justiça, Senhora Lourdes Rossoni, Membro da Direção Estadual da Central Única de Trabalhadores, CUT, Senhor Dionisio Marcon, membro da Direção do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Rio Grande do Sul, Senhorita Ivanete Tonin, Homenageada, Vereadora Helena Bonumá, Secretária “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional Brasileiro e, em prosseguimento, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. A Vereadora Helena Bonumá, em nome das Bancadas do PT, PP, PDT, PMDB, PTB, PPS e PSDB, analisou o significado da presente Sessão, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre a uma mulher integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Rio Grande do Sul. Destacou ser a trajetória da Homenageada a trajetória dos colonos gaúchos, em sua luta pela reforma agrária e por uma vida mais digna para toda a sociedade brasileira. O Vereador Raul Carrion, em nome da Bancada do PC do B, disse ser a Senhorita Ivanete Tonin líder política não restrita apenas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, mas integrar as lutas hoje em andamento por melhores condições de vida para o povo brasileiro, destacando o quadro de concentração de terra observado no País e os prejuízos que tal acarreta, não apenas em termos econômicos, mas, principalmente, em termos políticos e sociais. Após, o Senhor Presidente convidou a todos para, de pé, assistirem a entrega a Senhorita Ivanete Tonin, pela Vereadora Helena Bonumá e pelo Senhor Hélio Corbellini, do Diploma e da Medalha referentes ao Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre e, em continuidade, concedeu a palavra à Homenageada, que agradeceu o Título recebido, salientando a importância da concretização, para todos os trabalhadores brasileiros, do direito à cidadania. A seguir, o Senhor Presidente pronunciou-se acerca da presente solenidade, dizendo do orgulho da nossa Cidade por homenagear a Senhorita Ivanete Tonin, símbolo de luta por uma sociedade mais digna e democrática. Durante a Sessão o Senhor Presidente registrou as presenças, no Plenário, do Deputado Federal Adão Pretto, do ex-Prefeito e candidato a Governador do Estado, Senhor Olívio Dutra, do Presidente Regional do PT, Senhor Ronaldo Zuchi, da Presidenta Municipal do PT, Senhora Íria Charão, do candidato a Senador Fúlvio Petracco, do Vice-Prefeito e candidato a Senador, Senhor Raul Pont, do Arquiteto Newton Burmeister, do Presidente do PCB, Senhor Daniel Sebastiani, da representante do PSTU, Senhora Vera Guasso, do representante da Associação Riograndense de Imprensa, Jornalista Firmino Cardoso, do Superintendente Adjunto do INCRA, Senhor Dorival Sostisso, do Coordenador do Programa de Governo da candidatura da Frente Popular, Senhor Paulo Torelli, da representante da direção da CUT Metropolitana, Senhora Silvana Klein, da Conselheira Nacional dos Trabalhadores Domésticos, Senhora Maria Aparecida da Silva, e de diversos representantes de entidades sindicais e de movimentos comunitários. Às vinte horas e cinco minutos, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a Reunião Ordinária da próxima quarta-feira, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Clóvis Ilgenfritz e secretariados pela Vereadora Helena Bonumá, Secretária “ad hoc”. Do que eu, Helena Bonumá, Secretária “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.
(Obs.: A Ata digitada nos Anais é cópia do documento original.)
O SR. PRESIDENTE (Clovis
Ilgenfritz):
Boa-noite a todos! É com muita honra que abrimos esta Sessão Solene para a entrega
do Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Srta. Ivanete Tonin, conforme
Requerimento da Vera. Helena Bonumá.
Convidamos para participar da Mesa o representante do Prefeito
Municipal de Porto Alegre, Dr. Hélio Corbellini; a homenageada, Srta. Ivanete;
o Superintendente Regional do INCRA, Dr. Jânio Guedes Silveira; o representante
da Procuradoria-Geral da Justiça, Dr. Djalma Aparecido da Silva; o membro da
Direção Estadual da CUT, Sra. Lourdes Rossini; o membro da Direção do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra do Rio Grande do Sul ,Sr. Dionísio Marcon.
Convidamos todos os presentes para cantarem o Hino Nacional Brasileiro.
(O Hino
Nacional é executado e cantado.)
Antes de passar a palavra à Vera. Helena Bonumá, gostaria de registrar
a presença do Deputado Federal Adão Pretto, do ex-Prefeito e candidato a
Governador do Estado, Olívio Dutra, do Presidente Regional do PT, Ronaldo
Zuchi, da Presidente Municipal do PT, Íria Charão, do candidato a Senador
Fúlvio Petracco, do Vice-Prefeito, e, no momento, candidato a Senador,
companheiro Raul Pont, e, ainda dos Vereadores José Gomes, Henrique Fontana,
Raul Carrion, Helena Bonumá, e o nosso Líder do PT, João Verle.
A Vera. Helena Bonumá está com a palavra, que fala em nome das Bancadas
do PT, PP, PDT, PMDB, PTB, PPS e PSDB.
A SRA. HELENA BONUMÁ: (Saúda os componentes da
Mesa.) Esta homenagem à Nina é uma homenagem significativa, não só para a
Bancada do nosso Partido nesta Casa, mas significativa para a Câmara de
Vereadores de Porto Alegre.
Com esta homenagem, estamos dando uma demonstração de que conquistamos
alguns espaços políticos na nossa sociedade que, até então, eram fechados a
segmentos significativos da sociedade brasileira. Hoje, quando vemos na tribuna
da Câmara essa bandeira do MST, essa faixa da Reforma Agrária e, num espaço
como este, estarmos fazendo uma homenagem inédita, de dar um Título de Cidadã
de Porto Alegre a uma Mulher do Movimento dos Sem-Terra do Rio Grande do Sul,
vemos que já conquistamos espaços políticos preciosos. Essa conquista é fruto
da luta de cidadãs e cidadãos que não abrem mão de sua dignidade e que, apesar
de toda situação que vivemos no País, seguem em frente lutando pelos direitos
de cidadania. A Nina, para nós, representa muito bem essa luta dos brasileiros,
pelo direito de cidadania e a luta do Movimento Sem-Terra tem sido, sem sombra
de dúvida, um exemplo nesse sentido.
Um outro aspecto de homenagem à Nina é que sua trajetória é a dos
colonos gaúchos. É a trajetória daquele pequeno agricultor que é sem-terra, ou
que perde a terra através da política agrícola do Governo, e que migra daqui.
Historicamente, gerações e gerações de pequenos colonos fizeram essa migração,
povoando Santa Catarina, Mato Grosso, Paraná e outros estados de nossa
Federação, em busca de terra para plantar e viver. Nós chegamos num ponto que
esse ciclo se esgotou e que isso não se colocava mais para os agricultores como
uma alternativa; nós vivemos num período de ditadura militar onde a exclusão do
campo foi muito brutal, o Estado brasileiro intensificou uma política que já
fazia, e que sempre fez, de associar o capital à propriedade da terra e de ter
políticas agrícolas e agrárias extremamente conservadoras. A modernização em
que nós vivemos nos anos 70 e início de 80 foi de um processo, foi uma
modernização que trouxe exclusão, trouxe miséria, que trouxe migração de levas
e levas de colonos do campo. Aí surge um elemento, que é importantíssimo, o
Movimento dos Sem-Terra que neste ano faz dez anos. Muitos colonos saíram de
suas terras tendo apenas duas alternativas: marginalizar-se na cidade - como
levas e levas tiveram que fazer por falta de opção - ou ir para o centro, norte
ou centro-oeste do País, onde quem não morria de malária ficava penando, sem
ter formas de produzir, de comercializar seus produtos, sem ter nenhum direito
garantido e acabavam voltando para o Rio Grande do Sul.
A resistência que se organiza a partir dos estados do Sul do País, que
vem resultar no MST, é fundamental para os rumos de construção da democracia do
Brasil. Em primeiro lugar, porque os colonos que se revoltaram contra essa
situação, que acamparam, que ocuparam terras e que lutaram pelo seu direito à
terra para ali produzir e viver começaram a concretamente produzir uma terceira
alternativa, que não é a que o Governo oferecia a eles e à sociedade brasileira
até então. Eles começaram a dizer que a reforma agrária é sim uma saída para o
Brasil e resistiram; foi através desta resistência que começaram algumas
experiências importantíssimas, como as experiências dos assentamentos dos
sem-terra que existem hoje e que dão uma demonstração concreta de que reforma
agrária é possível aqui. Essa luta do Movimento dos Sem-Terra desenvolveu-se
através de pessoas concretas, pessoas como a Nina que, além de ser integrante
do MST, de enfrentar as dificuldades e o preconceito que a sociedade, muitas
vezes, teve contra esse Movimento, tinha ainda o fato de ser mulher e de sofrer
a discriminação que as mulheres sofrem dentro dos nossos próprios movimentos. O
próprio Movimento dos Sem-Terra teve como bandeira, na ocasião da Constituição,
o fato de que as mulheres também tivessem direito a título de terra, porque,
até então, nos assentamos oficiais havidos, as mulheres não tinham este
direito, a menos que tivessem pai ou irmão que as acompanhassem. Isto foi fruto
da luta do MST, elemento que vem a se somar à dignidade dessas mulheres
trabalhadoras.
A Nina, para nós, representa, além da luta do MST pela reforma agrária
em nosso País, também a luta das mulheres trabalhadoras, pela sua cidadania e
pela sua dignidade. Consideramos que, para Porto Alegre, uma homenagem deste
tipo é importante. Nós, aqui desta tribuna, temos muitas vezes discutido a
questão da fome, da miséria no País e de a gente se somar nesta grande cruzada
de buscar alternativas concretas para a situação em que o nosso País vive.
Nós sabemos que Porto Alegre, apesar de ter um governo democrático
popular voltado para as prioridades sociais com participação popular, enfrenta
efeitos de uma crise social, estrutural brasileira. Não é a partir de um
Município apenas que vamos superar. A luta da reforma agrária tem que ser uma
luta dos porto-alegrenses, uma luta desta Casa, de todos nós. A reforma agrária
é que vai diminuir a miséria, vai fixar as pessoas no campo, vai permitir que seja
produzido alimento para uma população que não come. A sociedade se surpreende
quando vê esse dado de trinta e dois milhões de famintos. Essa gente é de
décadas e décadas de exclusão das pessoas do campo, do trabalho, das
possibilidades de cidadania, das possibilidades de desenvolvimento. Temos um
modelo de desenvolvimento que é concentrador em todos os sentidos, de renda, de
poder, de riqueza, expande a miséria cada vez mais para a sociedade brasileira.
A luta pela reforma agrária não é mais uma bandeira de quem precisa terra para
plantar e viver, é uma bandeira de todos nós como condição para construção da
democracia nesse País, uma democracia que não seja só informal, mas efetiva,
econômica e política. Aí há uma contribuição do Movimento dos Sem-Terra para
mostrar que com esta luta desvenda um tipo de desenvolvimento que o nosso País
teve até então, qualificando a luta por democracia no País. Porto Alegre não
podia ficar fora disso.
Para mim a homenagem a Nina tem todo esse significado, Porto Alegre que
quer ser construída com os nossos governos democráticos, populares. Uma Cidade
cidadã, uma Cidade que participa do desenvolvimento do País dando um exemplo de
como se pode governar - com transparência, com participação popular, voltada
aos interesses da maioria da população - não podia furtar-se de uma homenagem
deste tipo. Uma homenagem a Nina, lutadora, ao Movimento dos Sem-Terra, junto
com Movimento Sindical, Movimento das Mulheres, demais movimentos tem
constituído a partir das suas lutas um processo de democratização da sociedade
brasileira. Uma homenagem a Nina, que como tantos outros lutadores sociais,
muitos deles presentes nesta sala, para minha alegria, fazem parte deste
conjunto de pessoas tão imprescindíveis à nossa luta e à busca de dignidade de
uma vida melhor a sociedade brasileira. Muito obrigada.
(Não revisto pela oradora.)
O SR. PRESIDENTE: Antes de passar a palavra
ao Ver. Raul Carrion, gostaríamos de registrar, ainda, a presença do Arquiteto
Newton Burmeister, Secretário Municipal do Planejamento; do Presidente do PCB,
companheiro Daniel Sebastiani; da Sra. Vera Guasso, da direção do PSTU; do
nosso sempre presente amigo, representante da Associação Rio-grandense de
Imprensa, Firmino Cardoso; do Sr. Dorival Sostisso, Superintendente Adjunto do
INCRA; do Sr. Paulo Torelli, Coordenador do Programa de Governo na candidatura
da Frente Popular; Silvana Klein, da direção da CUT Metropolitana; da Maria
Aparecida da Silva, Conselheira Nacional dos Trabalhadores Domésticos; e
representantes das entidades tais como: GEA, Formação e Assessoria Sindical;
Lua Nova; Sindipolo; Sindicato dos Bancários; e, ainda do Frei Sérgio.
Pela Bancada do PC do B e pela Casa fala o Ver. Raul Carrion.
O SR. RAUL CARRION: Sr. Presidente e Srs.
Vereadores. (Saúda os membros da Mesa.)
Prezado futuro Governador Olívio Dutra; demais autoridades; lideranças
políticas, sindicais e dos Sem-Terra. Em muito boa hora esta Casa, por
iniciativa da Vera. Helena Bonumá, decidiu conceder o Título de Cidadã de Porto
Alegre à companheira Ivanete Tonin, mais conhecida por todos nós como Nina.
Expressiva liderança dos Trabalhadores Sem-Terra do Rio Grande do Sul e do
Brasil.
Em nome do Partido Comunista do Brasil, o PC do B, o primeiro partido
neste País que desfraldou a bandeira da Reforma Agrária; em nome da nossa Vera.
Maria do Rosário, que só não se faz presente hoje, aqui, porque se encontra em
Cuba, numa visita a este País que representa o socialismo, que a maioria de nós
luta e busca; em nome da Deputada Jussara Cony, que pediu especialmente que lhe
desse um grande abraço e que ainda fará um esforço para aqui estar no final
desta Sessão, pois tinha outras atividades impostergáveis; em meu nome pessoal,
homenageio esta mulher de fibra, filha de pequenos agricultores de Ibiraiara,
que aprendi a conhecer e respeitar nas mais diversas batalhas e lutas em que
nos encontramos. Pessoa simples, esclarecida, corajosa, determinada, que nunca
se perdeu numa visão corporativa da luta, que sempre participou de todos os
movimentos, batalhas, lutas do Movimento Sindical Urbano, Rural, da luta contra
a revisão Constitucional, em suma, não meramente uma líder dos Sem-Terra, mas
uma líder política desta grande batalha que o nosso povo empreende por dias
melhores.
Ao te homenagearmos, Nina, estamos homenageando a luta de milhões de
Sem-Terra, que em todo o Brasil exigem terra para produzir.
Ao homenagear-te, Nina, estamos condenando esta ordem social injusta
que leva milhões à miséria, para preservar os privilégios de um punhado de
latifundiários e grandes proprietários rurais.
Segundo dados do INCRA, que aqui está representado, as propriedades
rurais com mais de 1000 hectares em nosso País ocupam mais de 50% das terras,
mas contribuem com apenas 2% da produção. Em contrapartida, as pequenas e
médias propriedades, até 100 hectares, ocupam somente 14% da área, mas
contribui com 78% da produção. Poderá haver uma comprovação mais eloqüente do
absurdo social e econômico da existência do monopólio da terra em nosso País,
da urgência de uma verdadeira Reforma Agrária, da justeza da luta do Movimento
Sem-Terra, que em 10 anos já conquistou acesso à terra a 130 mil famílias.
Dizíamos no início deste pronunciamento que nossa homenagem, além de justa, é
oportuna, pois assistimos a uma campanha sistemática, pelos meios de
comunicação, autoridades e políticos reacionários, contra o Movimento
Sem-Terra, tentando caracterizá-lo como violento, mas na verdade se prepara
contra os trabalhadores rurais que lutam pelo acesso à terra. No dia de hoje,
30 de junho, a “Folha de São Paulo”, na página nove, afirma, em manchetes: “UDR
cria milícia armada contra os Sem-Terra”, e segue: “Entidade diz que começa a
montar operação de contraguerrilha, e que pode usar até helicópteros e aviões”.
Aqui está a fonte, a raiz da violência, os que se preparam, os que vêm matando
os agricultores, os batalhadores pela Reforma Agrária deste País.
Nós do PC do B que já contabilizamos dezenas de companheiros
assassinados impunemente, assim como os diversos partidos do campo popular,
sabemos de onde provém a violência do campo.
Ao te homenagear, Nina, homenageamos Chico Mendes, Paulo Fonteles, João
Batista, Margarida, Canuto e tantos outros, barbaramente assassinados pela UDR.
Ao te homenagear, a Câmara de Porto Alegre assume uma posição clara em defesa
da Reforma Agrária neste País. Este é o significado, além desta homenagem
pessoal. É uma posição política que esta Câmara assumiu ao te conceder este
Título de Cidadã de Porto Alegre.
Faço meu o teu grito de guerra: ocupar, resistir, produzir. Que Porto
Alegre, a valente Porto Alegre de tantas lutas sociais se orgulhe de ter mais
esta cidadã. É o grande desejo do PC do B que trazemos aqui em nome da nossa
Bancada. Muito obrigado. (Palmas.)
(Revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Chegamos ao momento mais
importante da solenidade, convido a Vera. Helena Bonumá que se faça presente
aqui na Mesa e o companheiro Hélio Corbellini, representando o Prefeito
Municipal, para que faça entrega da Medalha e que a Vera. Helena faça a entrega
do Diploma.
(Procede-se a entrega da Medalha e do Diploma à homenageada.)
Com a palavra a nossa nova Cidadã de Porto Alegre, Srta. Ivanete Tonin.
A SRTA. IVANETE TONIN: Quero saudar o companheiro
que está presidindo os trabalhos; aos demais companheiros da Mesa, a todos os
companheiros do Movimento Sem-Terra, acampados, assentados e também aqueles
trabalhadores urbanos que, de uma forma ou de outra, temo-nos encontrado no
dia-a-dia, impunhando várias bandeiras aqui em Porto Alegre, na beira das
estradas, nas ocupações de terra e assim por diante. Eu queria dizer que estou
meio sem jeito, porque já estive nesta Casa e ocupei o espaço de tempo de dez
minutos para denunciar a situação em que vivíamos em nossos acampamentos. Hoje
estou meio sem jeito, porque estou numa outra posição, mas num momento muito
importante da luta de nosso País. Queria dizer que este reconhecimento é a
todos os trabalhadores, tanto do campo como da cidade. Gostaria de dizer também
que cidadania é um direito que poucos trabalhadores têm no Brasil. Os
trabalhadores rurais, os pequenos agricultores, as mulheres trabalhadoras
rurais, os índios e os Sem-Terra, poucas vezes podem bater no peito e dizer que
são cidadãos nesta sociedade em que vivemos. Mas é motivo de muita alegria
porque a Cidade de Porto Alegre, a Câmara de Vereadores, reconhece essa luta
como legítima como uma luta digna. Outras vezes Porto Alegre já reconheceu que
essa luta é digna, quando em 1990, companheiro Olívio Dutra abriu as portas da
Prefeitura, porque, se ele não tivesse feito isso, nós teríamos chorado muitas
mortes. Outras vezes o companheiro Tarso Genro abriu espaço para podermos
reivindicar em Porto Alegre. Esta Casa também já cedeu, em anos atrás, lugar
para passarmos a noite. Não é a primeira vez que Porto Alegre reconhece a
dignidade dessa luta. Queria dizer também que, se quisermos alimentar mais
gente, se quisermos resolver o problema do desemprego, se quisermos resolver o
problema da fome, nós vamos ter que começar a empunhar cada vez mais esta
bandeira, porque a própria Cidade de Porto Alegre já reconhece que não consegue
mais suportar este aglomerado de gente que já vêm do campo. Em outras épocas,
Porto Alegre recebeu muitos trabalhadores rurais, mas hoje não é mais possível.
Eu queria dizer também, conforme o companheiro que me antecedeu, que há poucos
dias atrás, por toda a imprensa estávamos sendo chamados por duas palavras
centrais: os sem-terra são guerrilheiros e os sem-terra são violentos. E que
nós tínhamos uma escola, aliás, uma universidade, que formava guerrilheiros. Eu
queria dizer aqui que nós temos poucas escolas, mas que nós fazemos educação
para os nossos trabalhadores rurais com muito orgulho, porque qualquer
organização séria tem que fazer isso, porque não é possível nós termos, no meio
rural, 40% de trabalhadores analfabetos. E nós estamos fazendo uma coisa que o
Governo não faz, e nós nos orgulhamos de fazer isso. E se existe alguém que
está fazendo guerrilha neste País é o Governo, é o Governo Federal que não
cumpre a Lei de Reforma Agrária. Esse é o maior guerrilheiro. E dizer que nós
somos violentos...
Nós poderíamos citar uma porção de coisas. Mas, nestes quatro anos que
eu venho carregando lona e mochila nas costas, fazendo caminhadas em jejum, eu
queria dizer que eu gostaria de contar uma história que me chamou muito a
atenção, quando em 90, dois meses antes da Praça da Matriz, eu estava acampada
em Cruz Alta e nós estávamos acampados à beira da estrada de asfalto, e a
Brigada Militar, a mando dos fazendeiros, cercou um grupo de agricultores do
nosso acampamento e, quando estávamos todos deitados no chão, rendidos, a
Brigada começou a atirar e um companheiro nosso, de 18 anos, recebeu um tiro na
cabeça e hoje ele continua paralítico. Ele está com sua família no assentamento
de Montenegro e não sabíamos, naquela ocasião, se ele iria sobreviver. No outro
dia, fomos cercados por mais dois mil soldados do Pelotão de Choque,
intimando-nos a sairmos da estrada, pois éramos um perigo. Não tínhamos muita
escolha e eu me lembro que eu era uma das que diziam que tínhamos que sair
dali, porque não sabíamos o que iria nos acontecer. A ordem era que tínhamos
cinco minutos para retirarmo-nos dali. Então, uma senhora, uma mãe, chegou até
mim e falou: “Nina, tu vais querer ir embora agora? Tu vais querer sair daqui,
quando, lá no acampamento já perdi meu filho esperando, esperando... Meu filho
morreu de desnutrição. Qual é a diferença de tu morreres aqui, nas armas, nesse
aparato militar que está aí, ou tu morreres de fome?” Então, nessa tragetória
toda, essa foi uma experiência que me marcou muito. Depois, veio a Praça da
Matriz, levaram-nos lá para Bagé, para que nunca mais saíssemos de lá. Lá
ocupamos e perdemos um companheiro, fizemos caminhada e uma porção de outras
coisas.
Então, a estrutura agrária que está aí hoje, por si só, é violenta. Eu
penso que a luta pela Reforma Agrária é uma luta de paz, uma luta que tem
objetivos muito claros. Estamos em uma estrutura em que os poucos donos de tudo
têm conseguido concentrar tudo em suas mãos, gerando as mais diversas
violências. Essa que citei pode ser a última das violências, não é?
O dia de hoje queremos celebrar, queremos viver este dia com todos os
trabalhadores urbanos e dizer que essa luta, de fato, é nossa.
Por fim, eu gostaria de dizer que ofereço esse Título de Cidadã a todos
os trabalhadores que fazem a luta do campo e a luta da cidade, aos
trabalhadores rurais, que hoje estão resistindo lá no campo. Tenho a honra de
ter aqui, hoje, a presença da minha mãe, que veio lá de Ibiraiaras, e que é um
exemplo disso. Ela teve nove filhos. Se perguntarmos a ela por que não tem os
filhos perto dela, ela nos contará uma história. Vamos saber que um filho está
num Estado, outro está noutro Estado. Então, essa é a luta do campo. Gostaria
de oferecer este título aos trabalhadores rurais que estão na luta pela
sobrevivência. Gostaria, ainda, de oferecer este título aos milhares de
companheiros que não estão aqui hoje. Eles são os trabalhadores sem-terra que
estão debaixo de uma barraca de lona em noites como a de ontem, como a de
anteontem. São trabalhadores que vivem no dia-a-dia, na prática, essa luta.
Eles somam milhares nas beiras das estradas deste Rio Grande tão rico em
latifúndios e tão pobre em decisões políticas. Eu já estou assentada e tenho
orgulho de dizer que já estou produzindo alimentos. Essa que é a recompensa de
todos nós que estamos fazendo esta luta. Essa luta está gerando frutos, está
produzindo alimentos. Nós vamos continuar fazendo esta luta no dia-a-dia,
porque, enquanto tivermos vida, não vamos desistir. Muito obrigada.
(Não revisto pela oradora.)
O SR. PRESIDENTE: Antes de encerrar esta
Sessão, que quis o destino que eu presidisse, eu gostaria de dizer que em 1976,
numa reunião do Congresso Mundial de Urbanismo, em Vancouver, no Canadá - no
tempo em que estávamos plenamente engajados na luta pela reforma urbana, que
não se faz sem a reforma agrária - diziam aqueles documentos que os
assentamentos urbanos teriam solução para a vida digna, sem ódio, sem raiva,
mas sobretudo sem medo. Eu acho que este título que nós, da Câmara, nos
orgulhamos de ter conseguido, junto com a esmagadora maioria dos Vereadores,
mostra que nós não temos medo de fazer a reforma agrária, assim como a Nina,
cidadã de Porto Alegre, colocou com tanta propriedade.
Nós já fizemos aqui homenagens a pessoas muito importantes. Eu tive a
honra de homenagear Nelson Mandela, que hoje é Presidente da África do Sul. Há
poucos dias, o Frei Beto, o Paulo Freire, e hoje homenageamos uma mulher jovem
com uma história na luta de guerrilha. Esta é a nossa guerrilha pela cidadania
e pela democracia. Muito obrigado, meus parabéns e o meu orgulho de estar
participando neste momento junto com as autoridades e todos vocês.
Estão encerrados os trabalhos.
(Encerra-se a Sessão às 20h05min.)
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